quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Capítulo 08: “Acabou Pedro”


(Pedro)

Desde o final do dia anterior que um estranho pressentimento aprisionava Pedro. Sentia que algo não estava bem. Não sabia explicar porque o sentia, nem porque a sensação teimava em não desaparecer. Já o tivera antes, mas nunca durante tanto tempo. Certificou-se que estava tudo bem com os que mais amava. Com a sua família estava tudo bem, com os amigos mais próximos também, e a namorada também estava de perfeita saúde. O único senão que podia haver, era a estranha fase que o seu namoro atravessava. Pedro gostava da sua namorada, embora não a amasse. Mas o sentimento crescia, embora Matilde não acreditasse realmente no que ele sentia por ela. Sofia era e sempre seria uma “inimiga” ao futuro daquela relação.
Pedro continuava a gostar de Sofia, embora não o admitisse, e Matilde sabia-o. Conhecia-o muito bem. Mas amava-o demasiado para acabar aquela relação e se afastar dele.
Todos os dias da semana, Pedro acordava mais cedo e ia buscar a namorada a casa e levava-a até á escola, e apesar de tudo, aquele dia não era excepção. A sair de casa, enviou uma mensagem a Matilde:

“Amor, estou a sair de casa”

Foi até ao carro e depois de o ligar, o telemóvel apitou uma mensagem, mas não a abriu. Continuou caminho, até casa da sua namorada. Depois de alguns minutos de viagem, chegou ao destinatário. Matilde aproximou-se do carro, ele abriu o vidro:

-Olá amor! – Disse Pedro esperando um beijo de cumprimento da namorada.

-Olá Pedro! – Respondeu friamente e não o beijando. – Não viste a minha mensagem, está claro.

-Não, já vinha a caminho. Mas porquê? – Entretanto um carro parou atrás de Pedro e ele foi obrigado a estacionar o carro e Matilde sentou-se no lugar ao lado do namorado.

-Porque disse que não precisavas de me vir buscar, vou bem de autocarro, ou a pé.

-Qual é a necessidade? Sempre te vim buscar e levar á escola, não percebo porque hoje seria excepção.

-Qual é a necessidade? Não precisas de me exibir só para dizer que já esqueceste a Sofia.

-Se não gostasse de ti não namorava contigo, e não estaríamos juntos há já 4 meses.  
-Isso não quer dizer nada Pedro! – Disse entristecida. – Podes perfeitamente estar a usar-me para a esquecê-la e para demonstrares aos outros que já a ultrapassaste. Quantos casos não vimos de pessoas que se casam até por interesse, ou por dinheiro!

-Mas tu conheces-me bem, sabes que não faria isso.

-É por te conhecer bem que sei que ainda a amas.

-Matilde, eu gosto de ti. Não percebo esta tua indecisão de repente, passou-se alguma coisa?

-Sim Pedro, eu conheço-te bem e sei que ainda a amas. – Pedro não sabia o que mais responder. Gostava de Matilde, mas ainda não esquecera Sofia, e não queria mentir-lhe. Beijou-a com amor e depois sussurrou:

-Gosto muito, muito de ti! – Deu-lhe as mãos e ela sentiu-se amada, talvez ele estivesse mesmo a gostar dela. Pedro conduziu até á escola da amada e deixou-a lá, depois seguiu o caminho até ao Caixa Futebol Campus, onde teria treino.

Pedro era sempre o primeiro a chegar ao balneário e volvido alguns minutos começavam a chegar outros colegas, sendo que todos os dias variavam. Aos poucos e poucos começaram a chegar, e reparou que duas pessoas que não se costumavam atrasar, ainda não tinham chegado. Diogo tinha ido passar a noite a casa de Filipe e ainda nenhum tinha chegado. Já muito próximo da hora do treino, chegou o segundo. Aproximou-se e perguntou:

-Então puto porque é que só chegaste agora? E que é feito do minorca?

-O Diogo hoje não vem, a Sofia, a irmã do Diogo, está internada no hospital. – Depois de ouvir aquelas palavras, Pedro sentiu como que o mundo a sair-lhe dos pés. Filipe continuou a falar, mas ele já não o ouvira. – Pedro estás a ouvir-me? Estás bem?

-Sim, sim. Ele foi até ao norte para a ver?

-Não. A Sofia está cá. – Pedro não queria acreditar no que estava a ouvir, ela tinha regressado e nem tentara entrar em contacto consigo? E Diogo era cúmplice, tinha-se limitado a não lhe dizer? Como era possível continuar a amar Sofia depois de tudo o que acontecera? – Mas agora vou vestir-me para não chegar ainda mais atrasado.
Pedro saiu do balneário e deixou Filipe a preparar-se para o treino, não sabia muito bem como pensar ou como reagir. Gostava de Matilde, mas não conseguia esquecer Sofia, apesar de tudo o que ele lhe fizera, de tudo o que lhe sofrera, depois de um ano de desaparecimento e depois de reaparecer e nem ter tentado falar consigo. Mas sabia que como profissional não podia deixar transparecer o que sentia. Aplicou-se no treino e acabou por sair mais cansado do que era habitual.

-Que se passou hoje contigo Pedro? Estavas possuído. – Perguntou Filipe, que passara o treino distraído, também pelo mesmo motivo que Pedro.

-Hoje falei com a Matilde, e conseguimos resolver as coisas. – Nunca assumira a ninguém que continuava a amar Sofia, demonstrava sempre que estava entregue de alma e coração á relação com Matilde.

-Ainda bem! Mas que é que se tinha passado entre vocês?

-Um mal entendido, mas já está tudo bem. Tudo se resolve a falar não é verdade?

-Claro que sim, gostava de ficar a conversar mas não posso, tenho de ir visitar a Sofia ao hospital.

-Em que hospital é que ela está internada? Gostava de ir lá ver o Diogo e dar o meu apoio.

-Está no Dona Estefânia. Mas se quiseres podes ir agora comigo, eu dou-te boleia.

-Não, hoje á tarde vou passear com a Matilde, não posso mesmo. Mas amanhã ou assim vou lá. Mas não digas nada ao Diogo se faz favor, ainda não tenho a certeza se vou.

-Está bem, eu digo ao Diogo que mandaste cumprimentos e que mandaste um beijinho á Sofia.

-Não, não faças isso! – Pediu claramente preocupado.

-Porque não?

-Porque prefiro surpreende-los. – Inventou Pedro. – Mas é melhor ires andado, para não os deixares preocupados. Vai lá! – Filipe saiu a correr tão rápido como tinha chegado e Pedro acabou por sair também dos balneários e do centro de estágios, em direcção á escola da namorada. Iriam almoçar e passar a tarde juntos, mas ele não conseguira esquecer o que Filipe lhe dissera. Estava preocupado com Sofia, continuava a amá-la apesar de namorar com Matilde, queria saber do estado de saúde dela, queria poder conversar com ela, mas continuava sem saber se era ou não má ideia ir visitá-la ao hospital.

-Pedro que se passa contigo? – Perguntou Matilde já a meio do almoço que estava a ser feito em silêncio absoluto, num bar junto á praia.

-Estou cansado só isso.

-Tiveste um treino muito exigente amor?

-Sim, e estou preocupado com o Diogo e com o Filipe e acabei por descarregar no treino.

-Que é que se passou com eles?

-O Filipe chegou atrasado ao treino, e o Diogo não foi, estava dispensado.

-Tens medo que seja por causa da Sofia?

-Sim. – Assumiu com o medo bem presente na voz. – O Filipe disse-me que ela está em Lisboa. – Para Matilde aquelas palavras magoaram-na mais que qualquer outro gesto ou atitude de Pedro. Sabia que mais cedo ou mais tarde, iria acabar por sofrer e sair magoada, e só queria ser feliz. Podia magoá-la no início mas acabou por fazer o que lhe pareceu melhor. Respirou fundo, levantou-se da mesa e disse:

-Acabou Pedro. – Disse ainda com os olhos fechados. – É o melhor para os dois, desculpa. – Não conseguiu controlar as lágrimas e começou a chorar, saiu dali o mais depressa possível e ele ficou a vê-la partir, sem saber o que fazer, ou como reagir. Gostava dela, mas porque tinha terminado a relação? Continuava a amar Sofia, mas gostava imenso de Matilde e não iria abandonar esta para ir ao encontro de quem tanto o magoara.
Deixou algum dinheiro em cima da mesa e saiu daquele restaurante depressa, não queria acabar o almoço nem queria falar com ninguém, queria sair daquele local o mais depressa possível. Não tinha sorte no amor, Sofia abandonara-o sem dizer nada, como do dia para a noite, Matilde tinha terminado a relação sem ele conseguir entender a verdadeira razão. Correu até á praia e conseguiu encontrar o local mais escondido e recatado daquele local, sentou-se e começou a chorar.

“Porquê? Será que mereço tudo aquilo que sofro? Será que sim? Eu amo a Sofia e ela abandonou-me, ela desapareceu sem dizer nada, como do dia para a noite. Regressou a Lisboa e nem tentou falar comigo, ela desistiu de mim, de nós. E nem teve coragem de me dizer, eu só queria entender isto. Ela não é assim, a Sofia que conheci não é assim, a Sofia com quem eu namorei um ano não me tinha feito isto. Não me teria tirado o coração pelas costas e pisado. Ela devia ter-me explicado tudo, por muito que não exista desculpa, era sempre bom haver alguma explicação. É por a amar tanto que não a consigo esquecer, por não saber tudo o que se passou que não consigo apaga-la da minha vida, e foi graças a tudo isto que perdi também a Matilde. Alguém de quem eu gosto e começava a gostar cada vez mais. Nunca lhe menti, eu sei, mas também nunca lhe disse a verdade. Que amo a Sofia, porque sei que a iria magoar, e ela não merece sofrer. Mas ela conhece-me, melhor do que eu a conheço e sabe que nunca a deixarei de amar até falar com ela. Mas porquê? Porquê este medo de me perder? Não ia desistir dela, ia lutar até ao fim pela Matilde, porque gosto dela. Seria incapaz de ter uma relação com a Sofia, depois de tudo.”

Pedro era como o mais comum dos homens, não conseguia chorar junto a ninguém, sentia a sua masculinidade em perigo. Mas quando se encontrava sozinho chorava. Quantas vezes não chorou sozinho depois de Sofia o ter abandonado. Desta vez não era excepção, chorava não só por Sofia… Como por Matilde. Sempre que estava acompanhado e sentia-se demasiado próximo do desespero e de começar a chorar, pegava numa caneta e começava a escrever, mas desta vez, decidiu seguir um conselho de uma velha amiga. Alguém que lhe tinha ensinado muito, que era mais que uma namorada, fora uma amiga e uma companheira, Sofia. O que ela lhe tinha ensinado era que o mar era um dos melhores conselheiros, podia ser mais educado, menos educado, podia chorar ou sorrir, o mar ouvia-o e respondia-lhe com a força das ondas. E desta vez falou muito com o mar, e sentiu que o melhor que podia fazer era visitar Sofia. Estava magoado com ela mas ia saber qual era o seu estado de saúde, estava deveras preocupado. E iria ser amigo de Diogo, que naquele momento precisava demasiado do seu apoio. Mas primeiro tentou ligar a Matilde, ela não atendeu e ele não insistiu, por isso mandou-lhe uma mensagem:
“Não sei o que te levou a fazer isto amor mas eu não vou desistir de ti porque é isto que o amor verdadeiro me ensinou a fazer! Sabes que te adoro! Beijos do teu alentejano”
Uma mensagem com imenso significado, gostava imenso de Matilde e não queria perdê-la, iria lutar por ela apesar do regresso de Sofia. Foi até ao carro e conduziu até Lisboa, mas pelo caminho telefonou a Filipe:

-Olá Filipe, achas que posso ir visitar agora a Sofia?

-Ela agora está a dormir, mas já está a dormir há um bom bocado, até cá chegares acorda. Queres que avise o Diogo?

-Não. Quando aí chegar falo com ele.

-Então que te aconteceu para vires hoje? Não ias estar com a Matilde?

-Sim, mas aconteceu um imprevisto. – Não queria contar a ninguém que Matilde tinha colocado um ponto final na relação.- Diz-me uma coisa, estão aí os pais deles?

-Estão. O pai está aqui ao pé de mim, a mãe está lá dentro ao pé dela. – Pedro já tinha tido a oportunidade de conhecer os pais de Sofia, e sabia bem que o pai não gostava de si. Mas decidiu arriscar na mesma, queria ver a amada, queria saber qual era o seu estado de saúde, queria verificar com os seus próprios olhos.
Assim que chegou ao hospital, perguntou onde era a ala dos internados e um responsável acompanhou-o até ao local, de seguida teve de pedir informações para o quarto onde Sofia estava internada e caminhou em direcção ao mesmo. Respirou fundo, ia enfrentar a família toda dela, mas era o melhor que podia fazer, queria saber qual era o seu estado de saúde.
Enquanto percorria o corredor, conseguiu ver o pai e o irmão dela, juntamente com Filipe, parou e respirou fundo. Iria enfrentá-lo, mas não sabia se estava preparado. Continuou o seu percurso e em pouco tempo chegou até á porta do quarto.

-Boa tarde. – Disse ao chegar próximo de todos. – Por muitas coisas que tenham acontecido no passado, o mais importante é a Sofia e eu quero ver como é que ela está. Preciso disso. – Diogo nada respondeu, deixou que o pai tomasse iniciativa.

-Pedro. – Respondeu aproximando-se do seu antigo genro. – Desde o início que não fui correto para ti. E que merecias uma hipótese de provar que estava errado e eu não ta dei. Eu sei. E por isso lamento. Sei que não é desculpa, mas ela é minha filha. Minha filha mais nova, a única menina que tive a sorte de ter, e assusta-me só a ideia de partilhá-la com outro homem! Porque tinha medo que a magoasses, que a desiludisses, que te aproveitasses dela, e que não a fizesses feliz. E eu tenho medo do que sou capaz de fazer se alguém lhe fizesse isso! Sei que era capaz de matar, se fosse preciso, por quem a magoasse! E foi este medo de alguém a magoar, que acabei por ser eu a fazê-lo. E acabei por te magoar também. Desculpa-me por isso. E o mínimo que posso fazer por vocês, é dar-vos a oportunidade de falarem. Devo isso não só á Sofia, como também a ti.

            Qual será a reacção de Pedro?

Como correrá a conversa? Como será o reencontro do antigo casal?