(Pedro)
Depois
da notícia que ouvira pela boca da sua amada, sentiu o destino
pregar-lhe uma partida, pela primeira vez sentiu que o destino nunca
mais os iria juntar e ele estava certo, até disso até então.
Quando ouvira a notícia, fez-se de forte, fingiu que havia digerido
bem a notícia e que se limitava a estar feliz por ela, afinal o amor
era assim, mas na verdade, ele sentia-se desfeito, partido, sentia
que tudo tinha perdido o sentido e o rumo da sua vida era mais uma
vez incerto... Sofia iria realizar o seu sonho sim, mas iria
realizá-lo ao lado de Filipe, e ele iria realizá-lo também... Mas
junto a Matilde. E ele não sabia digerir o misto de emoções que a
vida dele se tornara... Mais uma vez.
Depois
de deixar Sofia em sua casa, com o irmão, foi até ao carro e pousou
a cabeça sobre o volante e os braços a protegê-lo e chorou, chorou
e chorou. A dor parecia cada vez mais forte e intensa,
intensificava-se a cada segundo mais e mais, e parecia não
desaparecer por nada, e ele sabia que tinha de ser forte, como Sofia
o era, mas como poderia sê-lo? No fundo sentia terríveis ciúmes de
Filipe. Ele poderia ter conquistado inúmeras mulheres, como já o
havia feito anteriormente, mas não... Filipe tinha-se apaixonado e
tinha feito apaixonar-se Sofia por ele e Pedro não sabia lidar com
isso. Ele dera-lhe um filho e ela não iria abortar, então porque
razão o teria feito com Júnior? Por muitas explicações que
tentasse tirar para o ajudar a compreender e a lidar com os
sentimentos e com a postura e a atitude que devia tomar, simplesmente
não conseguia. Mas estava na altura de ser forte, acima de tudo, a
sua mulher, a sua companheira, amiga e namorada, Matilde precisava de
si, a mãe do seu filho e o seu filho precisavam de todo o seu lado
forte, do seu lado maturo, o seu lado de bom companheiro e pai.
Limpou as lágrimas e endireitou a roupa, respirou fundo meia dúzia
de vezes e seguiu caminho, até casa... Antes de mais precisava de
descansar. Pouco ou nada tinha dormido e precisava de fazê-lo e
recuperar energias para enfrentar uma das maiores dificuldades da sua
vida.
(Algumas
horas mais tarde)
Pedro adormeceu
sossegadamente na sua cama, e parecia nada o acordar, a sua cabeça
descansara completamente enquanto dormira naquelas horas e nem
Raphael, recém-chegado das mini-férias na sua terra o acordou e o
rapaz apesar de estranhar a sua presença, mais cedo do que esperava,
não o acordou e deixou-o descansar, nada o acordara, nem mesmo o
telemóvel que tocava repetidamente vezes e vezes sem conta.
-Pedro
acorda! -
Gritou Raphael a Pedro, mas nem assim o rapaz despertou. -
Pedro, é importante por favor!
Raphael assustado até
levou as mãos ao pescoço de Pedro para ver se o rapaz respirava mas
confirmava-se, o que ainda o preocupara mais, por isso decidiu ir até
à cozinha encher uma panela de água fria e deixar cair para cima de
Pedro, era impossível não acordar assim.
-Mas
tu estás parvo? -
Gritou Pedro a Raphael assim que despertou. -
Tu sabes a temperatura que está lá fora para me mandares com uma
coisa dessas?
-Pedro
é mesmo importante. -
Sentou-se sobre a cama. -
Acredita que noutra circunstância não o faria mas tu não acordavas
por nada e precisam de ti mais do que nunca.
-O
que se passou? Está tudo bem?
-O
teu telemóvel estava farto de tocar e tu não acordavas por nada, e
eu decidi atender, eram os pais da Matilde. Ela teve um acidente de
carro e está mal...
-E
o meu filho?
-Não
sei... Precisas de ir para lá rápido.
Pedro nem mudou de
camisola, agarrou nas chaves do carro, de casa, na carteira e no
telemóvel e saiu.
(Sofia)
Depois
do que se havia passado entre si e o “irmão” não tivera coragem
sequer de fechar os olhos e tentar descansar, apesar de se sentir
cansada. Não era o arrependimento que a corroía, era os pensamentos
de quem tinha estragado tudo, mais uma vez. Olhava para o teto de
olhos bem abertos e pensava como iria lidar com Diogo depois do que
se sucedera, como ficaria a relação dele com a Rita e a sua com
Filipe, afinal ambos haviam traído os namorados e ela ainda tinha de
lhe dizer que estava grávida... Mas não era seu filho. Diogo
também não pregara olho, olhava também para o teto e pensava no
que haviam feito, tinha sido bom, sem dúvida alguma, mas como
ficaria tudo depois? O silêncio respondia a todas as questões, ou
melhor, não respondia, mas era mais fácil calarem-se em vez de
falarem sobre o que sucedera.
Sofia
levantou-se da cama e vestiu a roupa, saiu do quarto e foi preparar
alguma coisa para comer, talvez a comida a ajudasse a esclarecer as
ideias, mas Diogo vestiu-se também e foi atrás da rapariga para a
cozinha.
-Não
te magoei, pois não?
-Porque
me haverias de magoar?
-Talvez
fui bruto e tenho medo por causa do bebé.
Sofia
riu-se.
-O
bebé não sentiu nada, está descansado. Mas como sabes?
-Não
precisas de me dizer, o teu corpo e as tuas reações disseram-no.
Depois
de lhe responder, ambos mergulharam num silêncio absoluto e
ensurdecedor mais uma vez, de seguida, ela preparou o almoço e
depois de pronto foi tomar banho, onde ligou a música e Diogo, que
esperava por ela para almoçar, ficou preocupado com a demora dela e
acabou por se levantar da mesa e ir até à casa de banho, onde viu a
irmã sentada de pernas dobradas e os braços a abraçá-los.
-Sofia?
- Diogo
irrompeu os seus pensamentos, mas nem assim ela respondeu. - Nós
pudemos simplesmente esquecer o que se passou, é o mais fácil, para
todos.
A
rapariga levantou a cabeça e ele viu-a de lágrimas nos olhos.
-Até
pudemos fingir que não se passou nada, e fazermos um pacto de
segredo, e escondermos isto dos nossos namorados, mas eu simplesmente
não posso, nem consigo esquecer, entendes? O Filipe gosta imenso de
mim e fez tanto por nós, e especialmente por mim, e eu traí-o, e
estou grávida de um filho que não é dele... Como é que lhe vou
dizer isso?
-Primeiro,
acho que este banho te fez mal, e que te deverias limpar e vestir,
depois vais para a mesa e depois de almoçarmos vais falar tudo
comigo, pode ser?
Sofia
abanou positivamente a cabeça e decidiu seguir o conselho do irmão.
Depois de se vestir e de almoçarem, decidiu falar.
-Eu
vou-te contar tudo, desde o início. -
Respirou fundo e focou-se apenas no facto de estar ali, a desabafar
com o seu irmão, de sempre. -
Ontem quando soube que não era realmente tua irmã. -
Engoliu em seco e prometeu a si mesma que não iria chorar enquanto
estivesse a falar. -
Eu fui para a praia... Para a minha praia. E precisava de apoio,
precisava de alguém e o mar acabou por me incentivar a ligar o
Pedro. Depois viemos para Lisboa, e ele fez-me comer, aqueceu-me e
depois deitou-me na cama... Mas eu pedi-lhe para ele se deitar ao pé
de mim e eu quis mais e ele disse que não. Ele tem e quer a Matilde,
e o filho deles, não me quer a mim... E eu queria dizer-lhe que ele
está à espera de um outro filho... Meu. Mas ele percebeu que era do
Filipe e eu simplesmente não lhe consegui dizer a verdade. E agora
nem sequer tenho pai para o meu filho, o verdadeiro não sabe que é
pai dele, e o namorado da mãe, não é verdadeiramente o pai, e o
padrinho e tio, bem... Foi para a cama com a mãe.
-E
porque não lhe escreves uma carta?
Sofia
sorriu, claramente não haveria ideia melhor para fazer, quando
sentia dificuldade em falar sobre algum assunto, escrevia, porque até
era bem mais fácil fazê-lo que dizê-lo.
-Parece-me
uma excelente ideia.
A
rapariga foi buscar um papel e uma caneta e decidiu escrever uma
carta a contar a verdade... Mas não toda.
“Querido
Filipe,
Escrevo-te
para dizer o quanto gosto de ti, te agradeço e acima de tudo, te
peço desculpa.
Gosto
realmente de ti, da tua forma de viveres cada dia, da tua força para
lutares quando realmente amas, a tua forma de perdoar, e essa é, sem
dúvida alguma, a que mais admiro em ti...
É
incrível como tu consegues perdoar as pessoas mesmo sabendo que elas
não estão arrependidas por te magoarem, nem mesmo quando
simplesmente não te pedem desculpa por terem-no feito mas acabas por
perdoar porque tens um coração demasiado puro para guardares
qualquer tipo de rancor no seu interior. Quando tu gostas, tu
realmente fá-lo de uma forma intensa e mesmo que tenhas de lutar
contra a lógica e o óbvio, tu fá-lo, sem hesitar, porque sentes
que realmente vale a pena, que é merecido esse sentimento, mas
também sabes separar os teus sentimentos quando se fala da
felicidade dos que amas... E tu amas-me. Não o consegues negar a ti
mesmo, mas também não o consegues dizer em voz alta, porque sabes o
que isso pode vir a fazer nas nossas vidas, na tua vida, quando tu
assumires ao mundo que não poderias estar mais apaixonado por mim. E
eu sinceramente admiro a tua coragem, a tua força e a tua amizade
por mim, porque pões o meu bem-estar em frente ao teu, porque quando
choro à noite e quando sabes que estou a sofrer por algo que se
passou com o Pedro, ou apenas por lembranças, e tu por uns minutos
esqueces os teus sentimentos e dás-me apoio, mais que uma prova de
amizade, é uma prova de amor. E eu gostava de te poder agradecer por
tudo o que tens feito por mim, mas uma vida não chegaria para tudo,
porque embora, o mereças, eu simplesmente não consigo retribuir
todo esse amor por ti. Talvez se tivesse aparecido noutra altura da
minha vida, noutras circunstâncias, não te estaria esta carta, mas
sim uma completamente diferente, e embora não tenhas culpa, eu
tenho-a, mas não posso negar aquilo que sinto e enganar-nos a todos.
Desculpa, mas simplesmente não o posso fazer.
És
um rapaz que além de lindíssimo, tens um enorme potencial
futebolístico, e se o Benfica se atrever a desperdiçar, por
qualquer motivo, eu mudo radicalmente a minha forma de ver futebol e
vou ter umas lições com o livro do Mourinho ou assim...
Mas
falando de assuntos sérios, eu tenho de te pedir desculpa. Desculpa
por não te amar da mesma forma e por não me ter dedicado à nossa
relação, ao nosso namoro, da mesma forma que tu... E é também por
isso que te escrevo. Porque eu fui a culpada por te magoar tanto, por
nos começarmos a envolver e por ter deixado as coisas chegarem tão
longe.
Eu
nunca te deveria ter provocado antes de nos envolvermos pela primeira
vez, não devia ter-se usado para uns bons momentos de prazer, não
deveria ter aceite o teu pedido de namoro, embora fosse, só no
início, para fazer ciúmes, poderia ter feito tudo de uma forma tão
diferente e acredita que se pudesse, voltava atrás só para não te
magoar... E para te enganar.
Não,
não te traí. Cumpri a minha promessa. Mas eu estou grávida... De
quatro semanas. E eu sei, ambos sabemos que este filho não é teu. E
eu nunca te pediria para o assumires e para cuidares como se fosse,
mas também não te posso enganar de nenhuma forma, e fingir que o
era. E é por esses motivos que te escrevo, sabes o que isto
significa... Que não podemos simplesmente estar juntos e fingir que
nada se passa, que este bebé não é nada, mas também não pudemos
fingir que não se passou nada. Filipe, eu só sei que o melhor para
ti, não sou eu e como cobarde que sou, achei por bem dizer-to numa
carta, para poderes seguir a tua vida, e assim recuperares de todo o
sofrimento que causei à tua vida.
Desculpa,
De
uma pessoa que nunca te deveria ter entrado na tua vida,
Sofia
Roch(inh)a”
Depois
de terminar de escrever a carta limpou as lágrimas, dobrou-a e tomou
uma decisão, iria dá-la a Filipe e se ele quisesse perguntar-lhe
algo, iria responder-lhe. Embora soubesse que ele merecia muito mais
que uma carta, ela simplesmente não conseguia fazê-lo, por isso
seria melhor escrevê-lo. Pediu a Diogo para a levar até casa do
Filipe, e embora se tentasse mentalizar que tinha de ter calma para o
que iria viver e precisava de fazê-lo para o pequeno “feijãozinho”
que tinha na barriga, mas ela sabia que não podia, nem conseguia
mudar a sua vida por causa daquele bebé, pelo menos os seus
sentimentos.
(Pedro)
(Passado
uns dias)
O
rapaz não conseguia recuperar da dor do incerto, da ansiedade de
esperar por uma notícia, que poderia cair para um lado positivo ou
para um lado negativo, da dor de ver quem gostava mas tanto
desvalorizara, mal. Matilde estava no hospital, presa a uma cama e
ele sentia-se culpado por tudo o que acontecera e que tudo o que
vivera era inteiramente sua culpa e merecia estar a sofrer por isso.
Desde
que lhe deram a notícia que ela estava no hospital, na cadeira junto
à cama, de onde não sai-a e pernoitava há já várias noites, e
onde dormia apenas duas ou três horas, porque tinha medo de acordar
já com uma notícia. O desespero começava a domá-lo, e ele não
sabia já como pedir uma resposta... Rezara a Jesus, e até ao filho
por uma resposta, por uma cura... Por algo. Acordara às 4 horas da
manhã daquele dia e decidiu escrever uma carta:
“Querida
Matilde,
Só
damos valor quando perdemos, e eu embora não te tenha perdido, só
agora te dei valor. Tarde mais, para te dizer o quanto estou
arrependido por todo o sofrimento que te causei e o quão merecias
que me tivesse limitado a focar-me no que era o melhor para ti, desde
o começo.
Devia
ter-te sido completamente sincero desde o início, ter-te dito que
não era o melhor para ti, que tinha demasiados problemas na minha
vida, e que nenhum estava realmente resolvido para eu conseguir
prosseguir com a minha vida. Devia ter-te dito que o que tu sentes é
completamente diferente daquilo que eu sinto, e por isso e todos os
milhões de motivos que ambos sabemos, nada iria resultar entre nós.
Quando
tivemos de lidar com as questões do meu passado, de volta, tu
tiveste coragem para os enfrentares, como mulher apaixonada que és,
enquanto eu, preferi ignorá-los mas os sentimentos acabaram por vir
ao de cima. Eu fingi que o meu passado não me afetava e tu embora
soubesses que mentia, davas-me a mão e beijavas-me os lábios e
prometias que íamos superar tudo juntos, porque o amor que nos unia
era mais forte que isto... Mas tu sabias que era o teu amor que
superaria, nunca o meu, porque a tua chama de amor era muito maior
que a chama que eu tinha ateado para a fogueira do nosso amor, porque
tinha medo de me queimar, medo de me magoar... Tive medo que o
passado me consumisse e acabou por ser esse medo irracional que me
consumiu.
Fui
egoísta e egocêntrico ao pensar sequer que esta relação iria
mudar algo no que sentia por ti, e pelo meu passado que tem um
nome...
Fui
egoísta ao pensar que algum dia conseguiria retribuir tudo o que me
davas, que conseguia dar-te todo o meu coração, como tu me havia
entregue o teu. Devia ter pensado que simplesmente não era o melhor
para ti e por isso nunca iria ser aquilo que mereces. Enquanto que eu
para ti era tudo, na minha cabeça tu eras apenas o recomeço... De
algo que não tinha acabado.
Eu
tentei ser feliz contigo, juro que tentei realmente amar-te mas a
minha cabeça sabia que não podia... Mas tentava enganar todos. E tu
sabia-lo, sabias que te mentia, mas beijavas-me, e davas-me os teus
braços e o mundo por mim, se te pedisse, mesmo sabendo que não
tinha sido sincero contigo. É impressionante o amor que me dedicaste
e a esta relação, e o esforço e dedicação, que dedicaste a uma
relação que sabias desde o começo que estava condenado... Mas
quiseste ser mais forte que isso. E eu, injustamente, quis acreditar
também que bastava o teu amor para superar tudo, e por isso
menti-te, e só hoje, passado seis meses consigo ser sincero contigo,
e é através de uma carta depois de te ver deitada numa cama de
hospital. E hoje, ao olhar-me ao espelho e a pensar em tudo o que te
fiz passar e trouxe à tua vida, que deparo-me que me tornei a pessoa
que mais detesto e a única pessoa que tem culpa de toda a mágoa e
dura vida que tem sido os teus últimos seis meses.
E
hoje, consigo perceber o que fizeste... Tu querias uma prova que eu
sentia algo por ti, querias sentir que com uma gravidez eu estaria
sempre ao teu lado. Tu inventaste uma gravidez, mas eu simplesmente
entendo-te, porque tu querias uma réstia de amor enquanto tu me
davas todo o que tinhas em ti. E embora me magoe, eu fico a teu lado
e vou ajudar-te a superar tudo... Mas como amigo porque sabes que
mereces um amor melhor que o meu.
De
um passado irreversível,
Pedro
Rebocho.”
Depois
de escrever a carta, deixou-a sobre a almofada e decidiu pela
primeira vez afastar-se de Matilde, daquela cama e daquele hospital e
ir descansar para casa, e para a sua cama e, no dia seguinte, iria
voltar aos treinos, embora tivesse ordem do treinador de dispensa até
entender que era estava em plenas condições de voltar, ele iria
voltar, tinha de continuar a sua vida.
Quando
irá acordar Matilde?
Será que Sofia entregou
a carta a Filipe? E quem será o pai do bebé de Sofia?