domingo, 5 de junho de 2016

Capítulo 25: “E porque não lhe escreves uma carta?”


(Pedro)
Depois da notícia que ouvira pela boca da sua amada, sentiu o destino pregar-lhe uma partida, pela primeira vez sentiu que o destino nunca mais os iria juntar e ele estava certo, até disso até então. Quando ouvira a notícia, fez-se de forte, fingiu que havia digerido bem a notícia e que se limitava a estar feliz por ela, afinal o amor era assim, mas na verdade, ele sentia-se desfeito, partido, sentia que tudo tinha perdido o sentido e o rumo da sua vida era mais uma vez incerto... Sofia iria realizar o seu sonho sim, mas iria realizá-lo ao lado de Filipe, e ele iria realizá-lo também... Mas junto a Matilde. E ele não sabia digerir o misto de emoções que a vida dele se tornara... Mais uma vez.
Depois de deixar Sofia em sua casa, com o irmão, foi até ao carro e pousou a cabeça sobre o volante e os braços a protegê-lo e chorou, chorou e chorou. A dor parecia cada vez mais forte e intensa, intensificava-se a cada segundo mais e mais, e parecia não desaparecer por nada, e ele sabia que tinha de ser forte, como Sofia o era, mas como poderia sê-lo? No fundo sentia terríveis ciúmes de Filipe. Ele poderia ter conquistado inúmeras mulheres, como já o havia feito anteriormente, mas não... Filipe tinha-se apaixonado e tinha feito apaixonar-se Sofia por ele e Pedro não sabia lidar com isso. Ele dera-lhe um filho e ela não iria abortar, então porque razão o teria feito com Júnior? Por muitas explicações que tentasse tirar para o ajudar a compreender e a lidar com os sentimentos e com a postura e a atitude que devia tomar, simplesmente não conseguia. Mas estava na altura de ser forte, acima de tudo, a sua mulher, a sua companheira, amiga e namorada, Matilde precisava de si, a mãe do seu filho e o seu filho precisavam de todo o seu lado forte, do seu lado maturo, o seu lado de bom companheiro e pai. Limpou as lágrimas e endireitou a roupa, respirou fundo meia dúzia de vezes e seguiu caminho, até casa... Antes de mais precisava de descansar. Pouco ou nada tinha dormido e precisava de fazê-lo e recuperar energias para enfrentar uma das maiores dificuldades da sua vida.

(Algumas horas mais tarde)
Pedro adormeceu sossegadamente na sua cama, e parecia nada o acordar, a sua cabeça descansara completamente enquanto dormira naquelas horas e nem Raphael, recém-chegado das mini-férias na sua terra o acordou e o rapaz apesar de estranhar a sua presença, mais cedo do que esperava, não o acordou e deixou-o descansar, nada o acordara, nem mesmo o telemóvel que tocava repetidamente vezes e vezes sem conta.

-Pedro acorda! - Gritou Raphael a Pedro, mas nem assim o rapaz despertou. - Pedro, é importante por favor!
Raphael assustado até levou as mãos ao pescoço de Pedro para ver se o rapaz respirava mas confirmava-se, o que ainda o preocupara mais, por isso decidiu ir até à cozinha encher uma panela de água fria e deixar cair para cima de Pedro, era impossível não acordar assim.
-Mas tu estás parvo? - Gritou Pedro a Raphael assim que despertou. - Tu sabes a temperatura que está lá fora para me mandares com uma coisa dessas?
-Pedro é mesmo importante. - Sentou-se sobre a cama. - Acredita que noutra circunstância não o faria mas tu não acordavas por nada e precisam de ti mais do que nunca.
-O que se passou? Está tudo bem?
-O teu telemóvel estava farto de tocar e tu não acordavas por nada, e eu decidi atender, eram os pais da Matilde. Ela teve um acidente de carro e está mal...
-E o meu filho?
-Não sei... Precisas de ir para lá rápido.
Pedro nem mudou de camisola, agarrou nas chaves do carro, de casa, na carteira e no telemóvel e saiu.

(Sofia)
Depois do que se havia passado entre si e o “irmão” não tivera coragem sequer de fechar os olhos e tentar descansar, apesar de se sentir cansada. Não era o arrependimento que a corroía, era os pensamentos de quem tinha estragado tudo, mais uma vez. Olhava para o teto de olhos bem abertos e pensava como iria lidar com Diogo depois do que se sucedera, como ficaria a relação dele com a Rita e a sua com Filipe, afinal ambos haviam traído os namorados e ela ainda tinha de lhe dizer que estava grávida... Mas não era seu filho. Diogo também não pregara olho, olhava também para o teto e pensava no que haviam feito, tinha sido bom, sem dúvida alguma, mas como ficaria tudo depois? O silêncio respondia a todas as questões, ou melhor, não respondia, mas era mais fácil calarem-se em vez de falarem sobre o que sucedera.
Sofia levantou-se da cama e vestiu a roupa, saiu do quarto e foi preparar alguma coisa para comer, talvez a comida a ajudasse a esclarecer as ideias, mas Diogo vestiu-se também e foi atrás da rapariga para a cozinha.

-Não te magoei, pois não?
-Porque me haverias de magoar?
-Talvez fui bruto e tenho medo por causa do bebé.

Sofia riu-se.

-O bebé não sentiu nada, está descansado. Mas como sabes?
-Não precisas de me dizer, o teu corpo e as tuas reações disseram-no.

Depois de lhe responder, ambos mergulharam num silêncio absoluto e ensurdecedor mais uma vez, de seguida, ela preparou o almoço e depois de pronto foi tomar banho, onde ligou a música e Diogo, que esperava por ela para almoçar, ficou preocupado com a demora dela e acabou por se levantar da mesa e ir até à casa de banho, onde viu a irmã sentada de pernas dobradas e os braços a abraçá-los.

-Sofia? - Diogo irrompeu os seus pensamentos, mas nem assim ela respondeu. - Nós pudemos simplesmente esquecer o que se passou, é o mais fácil, para todos.
A rapariga levantou a cabeça e ele viu-a de lágrimas nos olhos.
-Até pudemos fingir que não se passou nada, e fazermos um pacto de segredo, e escondermos isto dos nossos namorados, mas eu simplesmente não posso, nem consigo esquecer, entendes? O Filipe gosta imenso de mim e fez tanto por nós, e especialmente por mim, e eu traí-o, e estou grávida de um filho que não é dele... Como é que lhe vou dizer isso?
-Primeiro, acho que este banho te fez mal, e que te deverias limpar e vestir, depois vais para a mesa e depois de almoçarmos vais falar tudo comigo, pode ser?
Sofia abanou positivamente a cabeça e decidiu seguir o conselho do irmão. Depois de se vestir e de almoçarem, decidiu falar.
-Eu vou-te contar tudo, desde o início. - Respirou fundo e focou-se apenas no facto de estar ali, a desabafar com o seu irmão, de sempre. - Ontem quando soube que não era realmente tua irmã. - Engoliu em seco e prometeu a si mesma que não iria chorar enquanto estivesse a falar. - Eu fui para a praia... Para a minha praia. E precisava de apoio, precisava de alguém e o mar acabou por me incentivar a ligar o Pedro. Depois viemos para Lisboa, e ele fez-me comer, aqueceu-me e depois deitou-me na cama... Mas eu pedi-lhe para ele se deitar ao pé de mim e eu quis mais e ele disse que não. Ele tem e quer a Matilde, e o filho deles, não me quer a mim... E eu queria dizer-lhe que ele está à espera de um outro filho... Meu. Mas ele percebeu que era do Filipe e eu simplesmente não lhe consegui dizer a verdade. E agora nem sequer tenho pai para o meu filho, o verdadeiro não sabe que é pai dele, e o namorado da mãe, não é verdadeiramente o pai, e o padrinho e tio, bem... Foi para a cama com a mãe.
-E porque não lhe escreves uma carta?
Sofia sorriu, claramente não haveria ideia melhor para fazer, quando sentia dificuldade em falar sobre algum assunto, escrevia, porque até era bem mais fácil fazê-lo que dizê-lo.
-Parece-me uma excelente ideia.
A rapariga foi buscar um papel e uma caneta e decidiu escrever uma carta a contar a verdade... Mas não toda.

Querido Filipe,
Escrevo-te para dizer o quanto gosto de ti, te agradeço e acima de tudo, te peço desculpa.
Gosto realmente de ti, da tua forma de viveres cada dia, da tua força para lutares quando realmente amas, a tua forma de perdoar, e essa é, sem dúvida alguma, a que mais admiro em ti...
É incrível como tu consegues perdoar as pessoas mesmo sabendo que elas não estão arrependidas por te magoarem, nem mesmo quando simplesmente não te pedem desculpa por terem-no feito mas acabas por perdoar porque tens um coração demasiado puro para guardares qualquer tipo de rancor no seu interior. Quando tu gostas, tu realmente fá-lo de uma forma intensa e mesmo que tenhas de lutar contra a lógica e o óbvio, tu fá-lo, sem hesitar, porque sentes que realmente vale a pena, que é merecido esse sentimento, mas também sabes separar os teus sentimentos quando se fala da felicidade dos que amas... E tu amas-me. Não o consegues negar a ti mesmo, mas também não o consegues dizer em voz alta, porque sabes o que isso pode vir a fazer nas nossas vidas, na tua vida, quando tu assumires ao mundo que não poderias estar mais apaixonado por mim. E eu sinceramente admiro a tua coragem, a tua força e a tua amizade por mim, porque pões o meu bem-estar em frente ao teu, porque quando choro à noite e quando sabes que estou a sofrer por algo que se passou com o Pedro, ou apenas por lembranças, e tu por uns minutos esqueces os teus sentimentos e dás-me apoio, mais que uma prova de amizade, é uma prova de amor. E eu gostava de te poder agradecer por tudo o que tens feito por mim, mas uma vida não chegaria para tudo, porque embora, o mereças, eu simplesmente não consigo retribuir todo esse amor por ti. Talvez se tivesse aparecido noutra altura da minha vida, noutras circunstâncias, não te estaria esta carta, mas sim uma completamente diferente, e embora não tenhas culpa, eu tenho-a, mas não posso negar aquilo que sinto e enganar-nos a todos. Desculpa, mas simplesmente não o posso fazer.
És um rapaz que além de lindíssimo, tens um enorme potencial futebolístico, e se o Benfica se atrever a desperdiçar, por qualquer motivo, eu mudo radicalmente a minha forma de ver futebol e vou ter umas lições com o livro do Mourinho ou assim...
Mas falando de assuntos sérios, eu tenho de te pedir desculpa. Desculpa por não te amar da mesma forma e por não me ter dedicado à nossa relação, ao nosso namoro, da mesma forma que tu... E é também por isso que te escrevo. Porque eu fui a culpada por te magoar tanto, por nos começarmos a envolver e por ter deixado as coisas chegarem tão longe.
Eu nunca te deveria ter provocado antes de nos envolvermos pela primeira vez, não devia ter-se usado para uns bons momentos de prazer, não deveria ter aceite o teu pedido de namoro, embora fosse, só no início, para fazer ciúmes, poderia ter feito tudo de uma forma tão diferente e acredita que se pudesse, voltava atrás só para não te magoar... E para te enganar.
Não, não te traí. Cumpri a minha promessa. Mas eu estou grávida... De quatro semanas. E eu sei, ambos sabemos que este filho não é teu. E eu nunca te pediria para o assumires e para cuidares como se fosse, mas também não te posso enganar de nenhuma forma, e fingir que o era. E é por esses motivos que te escrevo, sabes o que isto significa... Que não podemos simplesmente estar juntos e fingir que nada se passa, que este bebé não é nada, mas também não pudemos fingir que não se passou nada. Filipe, eu só sei que o melhor para ti, não sou eu e como cobarde que sou, achei por bem dizer-to numa carta, para poderes seguir a tua vida, e assim recuperares de todo o sofrimento que causei à tua vida.
Desculpa,
De uma pessoa que nunca te deveria ter entrado na tua vida,
Sofia Roch(inh)a”

Depois de terminar de escrever a carta limpou as lágrimas, dobrou-a e tomou uma decisão, iria dá-la a Filipe e se ele quisesse perguntar-lhe algo, iria responder-lhe. Embora soubesse que ele merecia muito mais que uma carta, ela simplesmente não conseguia fazê-lo, por isso seria melhor escrevê-lo. Pediu a Diogo para a levar até casa do Filipe, e embora se tentasse mentalizar que tinha de ter calma para o que iria viver e precisava de fazê-lo para o pequeno “feijãozinho” que tinha na barriga, mas ela sabia que não podia, nem conseguia mudar a sua vida por causa daquele bebé, pelo menos os seus sentimentos.

(Pedro)
(Passado uns dias)
O rapaz não conseguia recuperar da dor do incerto, da ansiedade de esperar por uma notícia, que poderia cair para um lado positivo ou para um lado negativo, da dor de ver quem gostava mas tanto desvalorizara, mal. Matilde estava no hospital, presa a uma cama e ele sentia-se culpado por tudo o que acontecera e que tudo o que vivera era inteiramente sua culpa e merecia estar a sofrer por isso.
Desde que lhe deram a notícia que ela estava no hospital, na cadeira junto à cama, de onde não sai-a e pernoitava há já várias noites, e onde dormia apenas duas ou três horas, porque tinha medo de acordar já com uma notícia. O desespero começava a domá-lo, e ele não sabia já como pedir uma resposta... Rezara a Jesus, e até ao filho por uma resposta, por uma cura... Por algo. Acordara às 4 horas da manhã daquele dia e decidiu escrever uma carta:

Querida Matilde,
Só damos valor quando perdemos, e eu embora não te tenha perdido, só agora te dei valor. Tarde mais, para te dizer o quanto estou arrependido por todo o sofrimento que te causei e o quão merecias que me tivesse limitado a focar-me no que era o melhor para ti, desde o começo.
Devia ter-te sido completamente sincero desde o início, ter-te dito que não era o melhor para ti, que tinha demasiados problemas na minha vida, e que nenhum estava realmente resolvido para eu conseguir prosseguir com a minha vida. Devia ter-te dito que o que tu sentes é completamente diferente daquilo que eu sinto, e por isso e todos os milhões de motivos que ambos sabemos, nada iria resultar entre nós.
Quando tivemos de lidar com as questões do meu passado, de volta, tu tiveste coragem para os enfrentares, como mulher apaixonada que és, enquanto eu, preferi ignorá-los mas os sentimentos acabaram por vir ao de cima. Eu fingi que o meu passado não me afetava e tu embora soubesses que mentia, davas-me a mão e beijavas-me os lábios e prometias que íamos superar tudo juntos, porque o amor que nos unia era mais forte que isto... Mas tu sabias que era o teu amor que superaria, nunca o meu, porque a tua chama de amor era muito maior que a chama que eu tinha ateado para a fogueira do nosso amor, porque tinha medo de me queimar, medo de me magoar... Tive medo que o passado me consumisse e acabou por ser esse medo irracional que me consumiu.
Fui egoísta e egocêntrico ao pensar sequer que esta relação iria mudar algo no que sentia por ti, e pelo meu passado que tem um nome...
Fui egoísta ao pensar que algum dia conseguiria retribuir tudo o que me davas, que conseguia dar-te todo o meu coração, como tu me havia entregue o teu. Devia ter pensado que simplesmente não era o melhor para ti e por isso nunca iria ser aquilo que mereces. Enquanto que eu para ti era tudo, na minha cabeça tu eras apenas o recomeço... De algo que não tinha acabado.
Eu tentei ser feliz contigo, juro que tentei realmente amar-te mas a minha cabeça sabia que não podia... Mas tentava enganar todos. E tu sabia-lo, sabias que te mentia, mas beijavas-me, e davas-me os teus braços e o mundo por mim, se te pedisse, mesmo sabendo que não tinha sido sincero contigo. É impressionante o amor que me dedicaste e a esta relação, e o esforço e dedicação, que dedicaste a uma relação que sabias desde o começo que estava condenado... Mas quiseste ser mais forte que isso. E eu, injustamente, quis acreditar também que bastava o teu amor para superar tudo, e por isso menti-te, e só hoje, passado seis meses consigo ser sincero contigo, e é através de uma carta depois de te ver deitada numa cama de hospital. E hoje, ao olhar-me ao espelho e a pensar em tudo o que te fiz passar e trouxe à tua vida, que deparo-me que me tornei a pessoa que mais detesto e a única pessoa que tem culpa de toda a mágoa e dura vida que tem sido os teus últimos seis meses.
E hoje, consigo perceber o que fizeste... Tu querias uma prova que eu sentia algo por ti, querias sentir que com uma gravidez eu estaria sempre ao teu lado. Tu inventaste uma gravidez, mas eu simplesmente entendo-te, porque tu querias uma réstia de amor enquanto tu me davas todo o que tinhas em ti. E embora me magoe, eu fico a teu lado e vou ajudar-te a superar tudo... Mas como amigo porque sabes que mereces um amor melhor que o meu.
De um passado irreversível,
Pedro Rebocho.”

Depois de escrever a carta, deixou-a sobre a almofada e decidiu pela primeira vez afastar-se de Matilde, daquela cama e daquele hospital e ir descansar para casa, e para a sua cama e, no dia seguinte, iria voltar aos treinos, embora tivesse ordem do treinador de dispensa até entender que era estava em plenas condições de voltar, ele iria voltar, tinha de continuar a sua vida.

Quando irá acordar Matilde?

Será que Sofia entregou a carta a Filipe? E quem será o pai do bebé de Sofia?