segunda-feira, 6 de julho de 2015

Capítulo 18: “Tu corres o risco de vir a perder as duas com esta tua indecisão”


(Pedro)
Antes do despertador tocar, Pedro acordava e levantava-se da cama, necessitava de ouvir o silêncio para pensar na sua vida. Precisava de se mentalizar, todos os dias, que não poderia desistir, que tinha de enfrentar um dia novo de cabeça erguida e sorriso nos lábios, mesmo que no seu interior sentisse tudo desfazer-se. Sentava-se num canto da casa de banho, de luzes apagadas e porta fechada e chorava durante vários minutos a fio, depois respirava fundo repetidas vezes até sentir que acalmara os demónios que lhe atormentava a sua cabeça e mentalizara-se que era um dia novo, tudo poderia mudar. Depois voltava para a cama onde dormia durante mais uns minutos até o despertador tocar. Fazia-o há um ano. Gostava de Matilde, mas não conseguia apagar e esquecer Sofia, mesmo depois de saber que Filipe e ela estavam juntos e naquele dia, a vida colocava-lhe mais uma prova, que ele sabia que tinha de superar: Iria voltar para os treinos após a sua “lesão” e iria enfrentar o seu colega, não de uma forma física, mas de uma forma diferente. Tinha de lhe pedir perdão pela sua atitude e tinha que o felicitar pelo seu namoro... Com a pessoa que mais amava. Tinha de pedir perdão à equipa e ao treinador, tinha de ser forte, mas e senão existissem forças dentro de si para sê-lo?! Teria de arranjá-las e manter-se na luta. Deitou-se na cama de frente para Matilde e pode admirar as suas feições.
-Amor? - Perguntou Matilde com a voz de quem acabara de acordar.
-Bom dia meu bem. - Continuou a fazer-lhe festas pela cara. - Como estás?
-Com dores, mas vão acabar por passar.
-Estás arrependida?
-Só de não o ter feito mais cedo.
-Não queria magoar-te.
-Era impossível não o teres feito.
-Desculpa, devia-te ter feito esperar mais tempo, não queria pressionar-te, talvez estivesses melhor preparada.
-Sabia bem para o que ia, e tu fizeste tudo para não me magoar, mas também me fizeste viver momentos únicos e isso eu não esquecerei nunca.
-Só não te queria pressionar.
-Não pressionaste, aliás se alguém o fez, fui eu. - Colocou a mão em cima do peito dele. - Estiveste a chorar? - Perguntou depois de abrir os olhos totalmente.
-Tive um pesadelo. - Mentiu, sabia que se dissesse que não, Matilde iria facilmente detetar a mentira. - Acordei há uns minutos e pelos vistos chorei de dor.
-Sonhaste com a Sofia, então.
-Não me lembro. Senão me tivesses dito provavelmente nem saberia que tinha chorado.
-Mas nem uma pinga de suor deitaste...
-Não, deve ter sido dor, não susto. E tu como dormiste?
-Sonhei que adormecia ao teu lado mas parece que não foi um sonho, que foi
realidade. - Pedro deu-lhe um beijo na ponta do nariz.
- Esse sonho vai-te trazer algum incómodo durante o dia.
-Não te preocupes com isso agora, está bem?
-Está bem.
-Meu amor, estás preparado hoje para o desafio que vais enfrentar?
-Tenho de estar. Obrigada por estares do meu lado, sem ti sinceramente não sei o que faria e o que seria.
-Serias o mesmo Pedro de sempre, eu só tenciono mesmo fazer-te feliz. - Deu-lhe um beijo curto nos lábios. - Queres vir tomar banho comigo? Mas sem segundas intenções prometo! - Pedro sorriu e decidiu acompanhá-la.
Depois de tomarem banho, Pedro vestiu-se e decidiu ir mais cedo para o treino, precisava de recomeçar com todos os seus colegas, de justificar tudo e pedir acima de tudo desculpas a Filipe, que bem o merecia. Sabia que deveria ter feito tudo na semana que havia passado mas não tivera coragem, prefira afastar-se para pensar no que havia feito, afastara-se de todos, até de Raphael, o seu fiel e verdadeiro companheiro. Depois do banho tomado decidiu sair mais cedo para o treino para estar novamente sozinho no balneário e pensar não em Sofia, mas nas voltas que a vida dera e nos desafios que tinha de enfrentar, mas poucos minutos depois de chegar acabou por também chegar também outra pessoa. - Bom dia Filipe.
-Bom dia Pedro. - Responderam apenas com educação, nenhum deles sabia bem o que dizer.
-Desculpa. - Disse apanhando Filipe de surpresa. -Podes não aceitar o meu pedido de desculpas e eu compreendo perfeitamente, o que é injustificável, sei que não me deves nada, antes pelo contrário, eu devo-te a ti, mas quero apenas que mantenhamos uma relação cordial e com o mínimo de educação e respeito, os nossos colegas de equipas assim o merecem e o Benfica também.
-Pedro eu não sei o que te dizer. - Respirou fundo 3 vezes até se sentir com coragem de lhe responder. - Quem tem de te pedir desculpas sou eu. Eu sabia bem a tua história com a Sofia, desde o começo, e mesmo assim deixei-me envolver com ela, eu podia simplesmente ter recusado, ter negado, podia nem sequer ter provocado mas acabei por fazê-lo.
-Não vou ser cínico e dizer que não mexeu comigo e me deixou desiludido e magoado mas sei que no amor as coisas nunca são como queremos e eu estou com a Matilde, estamos bem e felizes, e quero que saibas que eu também fico mesmo feliz por teres devolvido um sorriso e acima de tudo a felicidade à Sofia.
-Tu já não a amas?
Pedro sentiu um nó prender-se na garganta sem saber o que dizer ou fazer. Teria de lhe responder mas tinha que optar entre dizer a verdade ou mentir-lhe.
-A Sofia marcou-me muito confesso, eu amava-a mais que a vida, mas ela faz parte do meu passado e eu quero apenas que ela seja feliz como eu sou com a Matilde. - Mentiu. Não poderia simplesmente contar toda a verdade, era demasiado duro e doloroso para lhe contar. - Posso entregar-te uma coisa?
-Claro. - Pedro tirou o envelope com a carta do bolso traseiro das calças e deu-lhe, Filipe ia abri-lo para começar a ler mas Pedro impediu-o, colocando a mão sobre a sua.
-Quero pedir-te para apenas leres em casa, sozinho.
-Pedro tu encaras bem o meu relacionamento com a Sofia?
-Filipe, acredita que se a Sofia namora contigo não é para te usar, ela seria incapaz de o fazer. - Disse convicto do que dizia mas com pesar na sua consciência porque estava certo do que dizia.
-Obrigada pelo apoio. Pedro, fora dos treinos e dos jogos não temos de nos falar, não somos obrigados a tal, mas pelo menos aqui dentro temos de reagir como meninos educados e crescidinhos e darmo-nos, para bem do Benfica, da equipa e pela Sofia e pela Matilde.
-Eu sei e acredita que da minha parte irei tentar ao máximo, espero que também o faças.
-Irei fazer.
Acabaram por se equipar e ir correr durante alguns minutos no campo onde ficaram pelo menos até aos seus colegas chegarem e a equipa técnica, que ficaram surpreendidos por os verem juntos e bem-dispostos, poucos sabiam a razão pela qual haviam andado envolvidos num ato de violência, por isso pensaram que era passageiro e que havia passado, mas nenhum deles sabia que era por causa de uma rapariga, de quem ambos gostavam bastante mas de forma bastante diferente.
-Meninos não se esqueceram do almoço de equipa, pois não? - Perguntou Diogo depois de todos tomarem banho e enquanto se vestiam.
-Claro que não. A Matilde fez questão de me relembrar hoje. - Respondeu Pedro sorrindo, lembrando-se da noite que haviam passado e tal gesto deixou Filipe confuso, afinal ele sabia que Pedro não conseguira esquecer Sofia mas porque razão continuava ele com Matilde?! O rapaz não conseguia compreender e não estava interessado em tentar saber, queria apenas fazer Sofia feliz.
Quando todos terminaram de almoçar decidiram organizar-se por carros e ir até ao restaurante onde faziam sempre os almoços e jantares de equipa, poderiam facilmente almoçar no clube, mas preferiam sair daquele ambiente. Assim que entraram, Filipe convidou logo Pedro para se sentar ao seu lado, queriam provar a todos que o que tinha acontecido entre eles era somente passado e nada mais que isso, e que queriam empenhar-se no bem da equipa e apenas nisso, os problemas pessoais não poderiam intrometer-se no clube, na equipa e no grupo de amigos.
-Pedro podes chegar lá fora se faz favor? - Pediu Raphael antes do almoço ser servido.
-Claro. Filipe guarda ai o meu casaco e as minhas coisas se faz favor. - Os dois saíram do restaurante e Raphael não perdeu tempo.
-Já não te reconheço Pedro. Tu eras o meu melhor amigo, eras meu irmão e meu sangue e agora quase que nem falas comigo.
-A minha vida está uma confusão Raphael, já há demasiada gente envolvida, não quero envolver mais.
-Eu sei que tu ainda amas a Sofia. - Pedro respirou fundo. - Não sei se vais a amar para sempre, mas sei que a amas mais agora do que quando estavam juntos. Tu não precisas de me dizer, nem de falar comigo, eu conheço-te meu irmão. -Pedro abraçou Raphael e começou a chorar no seu ombro... Sentia-se explodir por dentro, sentia-se dividido, queria desabafar, desejava e precisava de fazê-lo, e não existia ninguém melhor para isso que o seu melhor amigo, a pessoa que considerava irmão. -Conta-me tudo. E não te preocupes com o tempo que demora, eles não vão dar pela nossa falta. - Sentaram num banco escondido, mas suficientemente perto do restaurante.
-A Sofia escreveu-me uma carta... Ela estava grávida quando me deixou e decidiu abortar, e não me disse nada, limitou-se a escrever-me, um ano depois. Mas que apesar disto continua a amar-me, e quando regressou ao Seixal quis vir ter comigo, mas viu-me com a Matilde... E deixou-se envolver com um amigo nosso. E não foi difícil perceber quem era. E não sei o que mais me magoou, ela envolver-se com ele sabendo que éramos amigos, ou ele ser meu amigo e fazer-me isto, mesmo se a tivesse esquecido, não deixava de ser uma das pessoas que mais amei e que simplesmente me abandonou, ele deveria ter-me dito que ela cá estava. Estava tão furioso que depois de ler a carta sai de casa e fui à procura deles, e espetei-lhe um soco. Tinha a cabeça quente, não percebi o que fiz. Sou contra a violência, mas eu não sabia que mais fazer Raphael. Eu estava em cacos, e ele respondeu-me e acabamos por andar à porrada.
-Tu bateste no Filipe?
-Sim, e acredita que me arrependo, apesar dele ter merecido.
-Não o devias ter feito, mas na verdade tiveste razão para isso.
-A história ainda vai no início, Raphael.
-Desculpa, continua.
-O nosso mister soube do que aconteceu e ficamos duas semanas de castigo, mas acabou por ser reduzido apenas para uma, e logo no primeiro dia do castigo, a Sofia foi lá a casa, eu mostrei-lhe a carta e discutimos, ela respondeu-me que desejava e acabamos por fazer amor.
-Tu traíste a Matilde?!
-Sim. - Respondeu envergonhado. - Mas já falamos sobre isso mais à frente. Eu acordei depois de fazermos o que quer que tenha sido e comecei a vestir-me, senti repulsa de mim mesmo, eu traí a minha namorada... Com a minha ex-namorada. Que me abandonou! Ela acordou e eu pedi-lhe para vestir, tomar banho e sair.
-Contas-te à Matilde que a traíste?
-Não, e ontem acabamos por nos envolver.
-Calma... Tu envolveste-te com a Sofia, e com a Matilde? Na mesma semana?
-Sim, e acredita que ninguém mais me julga que eu mesmo. Estou desfeito por dentro Raphael.
-Pedro, eu conheço-te há 5 anos e, se alguém me dissesse que tu tinhas feito isto, eu não tinha acreditado e desmentiria até à minha morte, não estava realmente à espera confesso, e não tenho o direito de te julgar mas sim de te chamar à razão, como teu amigo que sou, e sei que te vai magoar o que vou dizer e até podes cortar relações comigo, acredita que eu compreendia e era eu que tomava a iniciativa de pegar nas minhas coisas e sair de casa, mas não quero, nem consigo ficar simplesmente calado. Tu corres o risco de vir a perder as duas com esta tua indecisão e com o que fazes, a Matilde ama-te Pedro. Ela é louca por ti e daria a vida por ti, ela sabe que tu vais sempre amar a Sofia e que vais para sempre gostar mais da Sofia que dela, mas continua do teu lado, queres maior prova de amor? Ela deu-te a sua primeira vez, e se soubesse que a tinhas traído ela perdoar-te-ia porque no fundo quer dar-te a mesma felicidade que alguma vez a Sofia te deu, e se sentir que tu realmente não o és, não duvides que ela acabaria contigo, mesmo que ficasse desfeita só para tu o seres, ao contrário de ti Pedro, estás a ser um egoísta. Não podes viver nesta indecisão de gostares das duas e quereres as duas, ou acabas com a Matilde e te concentras em reconquistar a Sofia, recomeçar de novo, ou te focas como nunca na Matilde e esqueces, ultrapassas e enterras o assunto Sofia, para deixar de ser algo no teu passado, mas para ser uma memória do teu passado. – Pedro não poderia negar que lhe havia magoado o que ouvira, que tinha sido fácil ouvir algo tão franco e directo como Raphael havia dito, mas afinal ele era como seu irmão e tinha-lhe dito o que precisava de ouvir, limpou as lágrimas e abraçou o amigo, não precisou de lhe agradecer, ele conhecia-o e bastou apenas um olhar para entender que lhe estava agradecido. Levantaram-se do banco e foram até ao restaurante.
Raphael sentou-se ao lado do irmão de Sofia, Diogo e Pedro voltou para junto de Filipe, que havia guardado um prato de comida igual à sua e depois de pensar, decidiu. Acabou o que tinha no prato, inventou uma desculpa qualquer a Filipe e saiu.
Entrou no carro e pegou no telemóvel, respirou fundo três vezes antes de fazer a chamada e sem pensar durante mais tempo, ligou. Bastaram três toques para atender.
-Preciso de falar contigo. Dez minutos e estou em tua casa.
-Está bem.
Dito isto desligaram a chamada e Pedro pôs-se a caminho, dava graças a Deus por ter um bom sentido de orientação e por lhe terem dado a morada e foi embora. Quando chegou ao destino já o esperava, entrou para o banco do pendura em silêncio e seguiram caminho, em silêncio absoluto, apenas se ouvia o CD que ela lhe havia dado com as suas músicas. A música da relação deles, as músicas preferidas de cada um e as músicas que eles consideravam descrever os vários momentos da relação, era o conjunto das canções deles, e mesmo sem querer, ela acabou por sorrir e ele teve sorte… Tinham parado num sinal vermelho e ele pode olhar para o sorriso dela e derreter-se com ele, como tinha saudades de o ver por sua causa, até que teve de despertar da dura realidade quando o carro que estava atrás buzinou porque o sinal já estava verde. Demoraram poucos minutos até chegar à praia onde tudo havia começado… A praia onde se tinham conhecido e dias mais tarde tinham começado a namorar. Sentaram-se no areal onde sentiam a brisa do mar a tocar-lhes na pele e o aroma maravilhoso do mar, que apesar de trazer a ela um misto de emoções completamente diferentes, fizera-a sentir-se bem. Depois de mais alguns minutos em silêncio no areal, Pedro respirou fundo e falou baixo, mas suficientemente audível para a sua ex-namorada ouvir:
-Porque mataste o nosso filho?
-Era o melhor para nós e para ele.
-Conta-me a verdade, Sofia. Eu conheço-te, sei que não o fazias apenas porque era o melhor para ele, e muito menos para nós.
-Pelos vistos não me conheces assim tão bem Pedro. Não podia ser egoísta ao ponto de colocar uma criança no mundo sem pensar se tinha ou não condições, mesmo que fosse o nosso sonho, não posso ser egoísta a esse ponto. Deixei-te porque sabia que nunca me irias perdoar por ter abortado e por isso optei para vir para junto da minha família em Espinho, para recuperar forças e energias que tinha depositado na nossa relação e em ti, o melhor para nós foi mesmo ter ido para lá.
-Tu queres que eu acredite que abortaste e nunca disseste nada ao teu irmão durante quase um ano? E que estavas de rastos e deixaste-o cá para recuperares energias?
-Pedro, eu não lhe disse nada porque sabia que o iria colocar numa situação que iria sofrer mais que ninguém. Por um lado era sofrer porque eu não estava bem, por outro lado era ver-te infeliz e não poder fazer nada para parar o teu sofrimento e ainda ter de acarretar com ele este segredo.
A rapariga podia optar por lhe contar a verdade, o pai forçara-a a fazer tudo, mas não o podia fazer, amava-o demasiado para tal, já o tinha perdoado e iria defendê-lo até a última instância, mesmo que para isso tivesse de sair ela prejudicada em invés dele.
-E achas que eu te esquecia e ultrapassava por não saber de ti, por te teres limitado a desaparecer da minha vida?
-Sim, esperava mesmo que o fizesses, era o melhor para todos.
-Diz-me uma coisa Sofia, tu conseguiste esquecer-me só com esta distância?
-Pedro, eu estou com o Filipe.
-E conseguiste esquecer-me e ultrapassar-me neste ano? Diz-me a verdade! – Pediu em tom de súplica.
-Pedro, tu marcaste-me muito e para sempre mas estou com o Filipe e gosto dele e somos realmente felizes, não planeei nada disto, nenhum de nós queria magoar-te mas acabou por acontecer... – Sofia não tinha mentido, mas também não lhe tinha sido completamente sincera, não poderia sê-lo. Continuava a amá-lo e iria para sempre fazê-lo mas precisavam de seguir com as suas vidas, era o melhor para ambos. Ela havia reencontrado a estabilidade e a felicidade junto a Filipe, que lhe devolvera o sorriso e amava todos os seus defeitos e problemas, beijava as suas feridas, e Pedro estava com Matilde, portanto gostava dela e já a havia ultrapassado. O melhor para todos era tudo ficar como estava. Tinha perdoado o pai, o filho estava enterrado e ela estava a tentar (ainda) ultrapassar a sua perca. Porque razão Pedro não seguia e ultrapassava a história deles? Ela também não conseguia, mas não iria dar parte fraca, sabia que era o melhor para todos o que tinha feito. Não podia dizer que já não o amava, ele conhecia-a e iria entender que ela mentira, por isso optara por ser sincera... E não responder realmente à pergunta que ele tinha feito. Levantou-se do lugar onde estava sentada, queria chorar mas não conseguia, doía-lhe o peito e custava-lhe respirar, não iria deitar mais nenhuma lágrima por causa de Pedro, prometera a si mesma que iria concentrar-se e ser completamente de Filipe, desde que aceitara o pedido de namoro, apesar de terem dito um ao outro que era apenas um “estratagema”, mas para ela era muito mais...
Apanhou o autocarro que havia ali nas proximidades e foi até casa, sentou-se na secretária e começou a escrever uma carta:

Querido Pedro:
Quando te prometi que te iria amar para sempre, eu sabia que iria cumprir.
Cada célula, cada pedaço de pele, cada cabelo e cada um dos meus dedos, ama tudo o que é teu, desde os teus mais pequenos e finos fios de cabelo até ao teu forte e enorme pé quando colocado ao lado do meu, toda a tua extraordinária pessoa e a tua indescritível alma eram o quanto me precisavam para ser feliz. Tu eras o meu refúgio, o meu tesouro, a minha metade, a minha peça do puzzle, e acredita que és alguém que me marcou a vida de uma forma que pensei nunca ser possível e isso amor nenhum, nem qualquer marca da vida vai apagar. As tatuagens que fizemos podem ser cobertas, tapadas, escondidas, mas acredita que a marca que me deixaste é muito mais forte que isso, não é meramente física, mas mais interior e profunda. Primeiramente abandonei-te fisicamente, com a distância e a ausência, sem explicação plausível, e agora abandono-te emocionalmente, para seres feliz. Pedro, tu mereces e eu sei que o serás.
Quando regressei tinha esperança de reaver tudo como deixei, de te poder ter nos meus braços e recomeçar a nossa história como se fosse do zero, mas encontrei-te com alguém que tinha sarado todas as feridas e o caco em que te deixei, alguém que te deu o que eu te dei... Sem esperar nada em troca, e eu sei que tu também a amas, porque de outra forma não estarias com ela. Tu amá-la, mesmo que tentes negar a ti mesmo, e mintas aos outros, tu já me esqueceste, e ultrapassaste, está na altura de te deixar ir em busca do que realmente te faz bem em invés de ficares preso numa velha obra e num antigo caminho que só te atirou pedras. A Matilde é o teu caminho a seguir, é o teu presente, o teu futuro. Quanto a mim? Sou eu, que te escrevo esta carta, com lágrimas nos olhos mas com certeza da atitude que tomo. Deixar-te ir é o melhor que tenho a fazer.
Sou a Sofia que sempre fui, caiu e levanto-me e existe outra pessoa que embora não me faça feliz como tu fizeste, gosta de mim realmente como sou, perdoa os meus erros e defeitos, e aceita-os e acima de tudo, ama-os, mesmo que a nossa história não tenha começado de forma mais “bonita” é alguém que me fez ter uma perspetiva diferente da vida e me beijou as feridas e ajudou a sará-las, e é junto dele que tenciono ser feliz. Mais uma vez. Mas sempre contigo no meu coração. E é por isso que esta é a última carta que te escrevo, porque sei que custa não olhar para o passado, mas sim olhar para o horizonte de cabeça erguida e com esperança no futuro e crença no presente que vivemos.

Amo-te, para sempre
Sofia Roch(inh)a”

Assim que Sofia assinou, limpou as lágrimas que ainda lhe molhavam a face e dobrou a folha de papel onde havia escrito, colocou-a no envelope que foi para a caixa onde estavam todas as cartas que escrevera a Pedro desde que o deixara e voltou a colocá-la debaixo da cama e queria mais iria olhar para elas. Aquela era a última carta que lhe escrevia, iria apenas viver o presente e olhar para o futuro... Quanto ao passado? Era isso mesmo, passado. Uma mágoa vivida mas ultrapassada. Respirou fundo na esperança de se acalmar e pegou no telemóvel. Tinha de falar com alguém. Com Pedro estava fora de questão, com Filipe era difícil, saberia que ele ia ficar desiludida consigo, Rita estaria ocupada e Diogo ainda estava no almoço e convívio, e tinha saudades de falar com o seu pai e ele iria querer ouvi-la, por isso ligou-lhe.
-Olá meu bem!
-Olá minha essência! - Respondeu sorrindo tentando mentalizar-se que estava tudo bem. - Como estás?
-Cheio de saudades tuas mas com imenso trabalho para te poder visitar.
-Se quiseres eu ligo-te mais tarde.
-Sofia, eu tenho sempre tempo e amor para os meus filhos.
-Obrigada! - Sorriram. - Desculpa não ter ligado mais cedo, mas tenho dias muito agitados.
-Por causa do Filipe e do Pedro?
-Sim... Pode dizer-se que sim. Porque falaste do Pipo?
-O rapaz estava demasiado comprometido ao pé de mim e da tua mãe e se fosse um amigo qualquer não o trazias para aqui. Além de que é da equipa do teu irmão e ele não falou nada de nenhuma lesão, e ele era habitual titular. Queres-me explicar o que é que vocês têm?
-Se eu te disser não vais acreditar.
-Experimenta.
-Eu e o Filipe namoramos. - O pai apesar de tudo, não ficou surpreendido. - O Pedro gosta da Matilde, senão não estariam juntos e são felizes, isso é o que mais me importa. Eu gosto do Filipe, estamos juntos e eu sei que ele me fará feliz também, ele beija-me as feridas e ajuda-me a curá-las, ele gosta realmente do que sou e faz-me sentir bem.
-Mas tu não esqueceste o Pedro.
-Nem ele a mim, mas temos de olhar para o futuro e para o presente, e nós estamos felizes com quem estamos.
-O que te faz acreditar que ele está com a Matilde e está feliz?
-Pai, se ele não gostasse dela não estariam juntos.
-Isso não quer dizer nada. Tu também gostas do Filipe e não esqueceste o Pedro.
-Pai, acabou. Tudo o que poderia vir a existir entre nós acabou hoje. Eu disse-lhe que tinha abortado propositadamente e que o deixei para recuperar energias junto a ti e à mãe, e aos avós, mas ele não acreditou e eu disse-lhe que estava feliz ao lado do Filipe - Tentava conter as lágrimas mas eram mais forte e acabou por deitar uma pequena lágrima pelo olhos.
-Compreendo que o que fizeste foi apenas porque achaste que era o melhor, mas ele tem o direito e o dever de saber a verdade, toda a verdade, mesmo que esteja com a Matilde e tu estejas com o Filipe.
-É o melhor para todos que seja assim pai. Ele esquece-me e é feliz com a Matilde, eu gosto do Filipe e vou ser feliz com ele, custe o que custar.
-E se nenhum dos dois for feliz com as novas caras metades?
-Temos de ser, pai... Simplesmente temos de ser. - Confessou suspirando. - Mas não te incomodo mais, vou preparar algo para o Filipe comer quando chegar a casa.
-Estás a trocar o teu namorado pelo teu pai, Ana Sofia Costa Rocha?
-Rochinha pai. E não, seria incapaz de te trocar por algum homem, simplesmente tu vais trabalhar e eu vou mimar o meu namorado.
-Posso dizer à tua mãe?
-Não acredito que ainda não tivessem comentado nada.
-Por acaso estás errada, nunca comentamos nada disso. Mas não te incomodo mais, vai lá preparar as coisas para o teu homem. Beijo, amo-te filha.
-Também te amo pai.
Dito isto desligaram a chamada e Sofia sentia-se mais “leve” com a conversa que tinha tido com o pai, talvez não fosse a forma mais acertada de dizer a Pedro para a esquecer, mas já estava feito e ambos tinham de ser felizes e com as pessoas com quem estavam. Ligou para Filipe, queria e precisava falar com ele.
-Diz-me meu amor.
-Tenho saudades tuas Pipinho! - Disse sorrindo. - Como está a correr o almoço?
-Também tenho saudades tuas, Sofia! Queres que vá ter contigo?
-Deixa-te estar aí no almoço, eu fico aqui a estudar...
-Tu estavas a estudar?
-Achas mesmo, Filipe? Ia começar agora... Estive a falar com o meu pai ao telemóvel, tenho saudades dele.
-Temos que lá voltar em breve, meu bem. E olha os meus pais convidaram-nos para irmos lá jantar hoje, eu é que me esqueci de te avisar, não te importas?
-Claro que não, podias ter avisado mais cedo, fazia um bolinho e tinha ido comprar umas roupinhas... Mas já agora, disseste-lhes que estamos juntos?
-Não, eles andam desconfiados, mas não lhes disse nada.
-Amor? Posso dizer-te uma coisa?
-Diz-me bebé.
-Estou nua à tua espera. - Disse entrando na varanda observando Filipe a estacionar.
-Estou a estacionar o carro à porta de casa, dois minutos!
-És muito esperto, menino Pipo. - O rapaz estava atrapalhado a estacionar o carro e ela decidiu picá-lo ainda mais. - Se demorares muito vou-me vestir. - Estava a brincar com o rapaz, estava vestida à sua espera, mas o rapaz deu-lhe ouvidos e demorou apenas dois minutos até chegar ao local onde viviam, abriu a porta do apartamento e viu-a completamente vestida e foi notório a sua desilusão.
-Não acredito que fiz uma correria e afinal estás vestida, não se brincam com estas coisas Ana Sofia! - Disse dando-lhe um curto beijo nos lábios, cumprimenta-a.
-A tua correria e o teu ar de esperançoso foram impagáveis!
-Não se brinca com coisas sérias, minha menina! Mas já que sugeriste... - Agarrou-a no fundo das costas e tentou encurtar a distância física que existia entre os corpos.
-Nada disso Filipe Nascimento! - Afastou-se dos braços dele. - Primeiro o bolo!
-E se deixássemos para depois o bolo, ou melhor, e se o comprássemos?
-Filipe, compreendo que sejas extremamente irresistível mas não estou mesmo com disposição ou cabeça, desculpa ter-te provocado mas estava mesmo a brincar. Quero apenas sentar-me no teu colo e ficar protegida nos teus braços e a cabeça pousada no teu peito, além do mais o teu pai já te viu com as costas todas arranhadas e agora que estamos juntos vai pensar que sou um animal insaciável!
-Sofia, temos de aproveitar enquanto somos novos e isto sobe e faz o seu trabalho!
-Não sejas assim Filipe! - Sorriu. - Tu sabes bem que não vais ter desses problemas, tu fazes tudo e bem!
-Obrigada! É sinal que ainda não te dei razões de queixa! - Piscou-lhe o olho. - Mas está tudo bem contigo?
-Sim, está tudo bem. Eu é que não me apetece fazer nada disso, não estou com disposição para isso, quero apenas ficar nos teus braços.
-Anda comigo. - Deu-lhe a mão e foram até à sala. Filipe sentou-se no sofá e com a mão convidou-a para se sentar no seu colo, ela fê-lo e ele rodeou o corpo dela com os seus braços. - Sabes que gosto muito de ti, não sabes?
-Também gosto muito de ti, meu homem. - Deu-lhe um beijo no nariz. - Talvez seja dar um passo maior que a perna... Mas para mim já não faz sentido vivermos com o Diogo e a Rita, devíamos arranjar um cantinho só para nós.
-Amor, acredita que eu também quero muito ter um cantinho só para nós, mas ainda é cedo. Nós estamos juntos ainda nem há duas semanas, mas podemos ir vendo algumas casas, e falando com a tua família para ver como reagiam e depois logo se via.
-Não quero que vamos viver juntos para gritar aos 7 ventos que vivemos juntos, mas sim porque quero que comecemos uma história só os dois e também de te provar que gosto realmente de ti. De verdade. - Olhou para ele e deu-lhe um curto beijo nos lábios.
-Não precisas de me provar nada, eu sei que gostas de mim. - Sofia aconchegou-se nos seus braços e sorriram. - Vamos fazer o nosso bolinho?
-Vamos começar, sim.
Levantaram-se do sofá e foram até à cozinha onde começaram a preparar o bolo.
-Queres fazer bolo de chocolate ou laranja?
-Laranja, talvez seja melhor. Vamos lá pôr o avental para não irmos sujos para casa dos meus pais.
-Nem penses que vou vestida assim, Filipe! Tenho de ir melhor vestida!
-Sabes que os meus pais não ligam nada às aparências, basta ires simples e seres tu mesma.
-Oficialmente já são meus sogros logo tenho de ir simples mas elegante.
-És muito especial Sofia, sabias?
-Fazia uma pequena ideia. - Sorriu e deu-lhe um beijo curto nos lábios. Prepararam todo o bolo e colocaram-no no forno.
- O que queres fazer enquanto o bolo está no forno?
-O que tu queres sei eu, Filipe! Mas temos de ir escolher roupa para levarmos!
-Explica-me a obsessão das mulheres por roupa.
-Nunca me ouviste a queixar que não tenho roupa ou da roupa que tenho!
-Pois não, por isso é que digo que és uma mulher muito especial.
-Eu sou só a tua mulher e tu o meu homem! - Deu-lhe um beijo no nariz. - Acho que o tema roupa é algo extremamente discutível nesta relação!
-Discutível?
-Sim, principalmente da minha parte que fui eu que te levei para a cama!
-Não sou assim tão necessitado...
-Que ideia! - Respondeu provocando-o. - Uma semana!
-Não aguentas uma semana sem mim!
-Já aguentei mais.
-Mas não enquanto namorado.
-É natural, eu provoco-te. Mas garanto-te que não aguentas!
-Está apostado! - Deram um “passou-bem” mútuo. - Cinquenta euros!
-Apostadissímo! Começa agora mesmo.
-Não disseste que não valia a pena provocar!
-Eu também sei provocar, sabias?
-Calei-me! Amor, já alguma vez apresentaste uma namorada à tua mãe?
-Ela já conheceu uma rapariga com quem curti, mas não foi nada sério e aconteceu.
-Vamos jantar normalmente e se perguntarem se namoramos ou surgir em conversa esse tema, confirmamos, senão surgir em tema de conversa não dizemos nada, estamos de acordo?
-Sim. Podes escolher-me a roupa enquanto vou ver do bolo se faz favor?
-Tu queres é uma desculpa para não me veres despida, mas vai lá que num instante também me visto.
Filipe sorriu e enquanto ela escolhia a roupa dos dois, ele sentou-se no sofá e começou a ver televisão, não a queria ver sem camisola, queria mesmo ganhar a aposta, não apenas pelos 50€, mas para lhe provar também, embora que indiretamente que ele gostava mais dela além do seu bonito corpo, depois de aguardar alguns minutos foi para o quarto onde a sua roupa já estava em cima da cama e a namorada vestida, agradeceu-lhe e ela saiu do quarto dando uma desculpa qualquer... Ela já havia decidido, ia ver televisão para não o ver despir-se à sua frente mas também pouco viu, o rapaz vestiu-se bastante rápido e o nervosismo começou a tomar Sofia, e Filipe sentiu o nervosismo dela e apertou-lhe a mão e seguiram até ao carro e bastou apenas meia hora para chegarem a casa dos Nascimento. Respirou fundo e o rapaz abriu a porta...

Como vai correr o jantar com a família Nascimento?
Será que vão assumir a relação? Como estará a reagir Pedro?

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